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A MGF em Portugal: estudo científico aponta caminho para eliminação da prática

Um estudo cofinanciado pela FCT e pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), apresenta os primeiros dados científicos sobre a prevalência da Mutilação Genital Feminina (MGF) em Portugal. A equipa, liderada por Manuel Lisboa, do CESNOVA (Universidade Nova de Lisboa) analisou também a percepção e o conhecimento das comunidades e dos profissionais de saúde relativamente à prática da MGF, às estruturas de resposta clínica e às políticas públicas existentes para a sua eliminação. O estudo, que inclui recomendações para a continuação do combate e prevenção da MGF, é considerado um muito necessário ponto de partida para o trabalho a desenvolver no 3º programa de ação do Plano Nacional de Combate e Prevenção da Violência Doméstica e de Género.

Nas comunidades em que é prevalente, a MGF é comummente praticada em raparigas entre os zero e 15 anos de idade, mas também em mulheres adultas, conforme as comunidades e o contexto sociocultural. É reconhecidamente uma grave violação dos direitos humanos das mulheres de todas as idades, sendo claramente condenada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e proibida em várias convenções internacionais. Portugal acolhe migrantes oriundos de países onde se realiza a prática (Guiné-Bissau, Nigéria, Serra Leoa, entre outros), mas não existiam, até agora, dados sobre a prevalência da prática em Portugal.

Os dados sobre a prevalência da MGF nos países de origem das mulheres potencialmente afetadas pela prática foi precisamente o ponto de partida para o cálculo da estimativa da prevalência da MGF em Portugal. Recorrendo a uma abordagem utilizada em estudos recentes noutros países, os investigadores aplicaram ao número de mulheres residentes em Portugal originárias de países praticantes de MGF (entre os 15 e os 49 anos) as prevalências nos países de origem. A análise foi depois estendida a mulheres com mais de 49 anos. Os resultados apontam para mais de 6 500 mulheres que poderão ter sido submetidas à prática da MGF em Portugal. É nos distritos de Lisboa e Setúbal que o maior número de mulheres se concentra, seguindo-se o distrito de Faro. A desagregação dos dados de prevalência por distrito (e até por conselho) é particularmente útil para o desenvolvimento e aplicação de programas de informação, identificação e eliminação de atuação local. 

Para compreender os contextos e a características inerentes à prática da MGF, os investigadores realizaram um inquérito a 123 homens e mulheres pertencentes às comunidades identificadas no estudo da prevalência (87 mulheres e 36 homens). A grande maioria dos inquiridos não consideram a MGF uma “boa prática” (99% das mulheres; 94% dos homens). Entre as mulheres, 40% afirmaram ter uma mulher ou menina na família que tenha sido submetida à prática; no caso dos homens, este número foi de 18%. Cinco por cento das mulheres inquiridas pensam submeter as filhas que venham a ter à prática, e 6% dos homens gostariam que a futura mulher fosse excisada.

Os inquéritos foram completados através de entrevistas em profundidade com mulheres submetidas e não submetidas à prática, com homens oriundos de países onde a MGF é praticada, e ainda com profissionais de saúde e dirigentes de associações de imigrante. As mulheres reconhecem a MGF como uma prática nefasta, envolta num ritual cultural e religioso. Os homens apresentam alguma ambivalência em relação à MGF: reconhecem-na como uma prática nefasta, mas, além de considerarem ser um “assunto de mulheres”, apontam a sua importância para a inserção das meninas e das mulheres nas comunidades.

O estudo resultou do trabalho de uma equipa multidisciplinar, integrando várias áreas científicas: Sociologia, Antropologia, Psicologia, Estudos sobre as Mulheres, Ginecologia, Sexologia, Saúde Pública, Direito e Estatística. O projeto foi selecionado por um painel de peritos internacionais, entre várias propostas submetidas ao concurso lançado pela FCT em 2013, como parte do protocolo assinado com a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

O relatório do estudo “Mutilação Genital Feminina: prevalências, dinâmicas socioculturais e recomendações para a sua eliminação”, foi publicamente apresentado no passado dia 15 de julho, e está disponível aqui e também no website da CIG.